domingo, 30 de março de 2008

Os meus vizinhos são números!

Num tempo em que as relações interpessoais estão em crise e a solidariedade é uma palavra vã, conhecemos os que estão fisicamente próximos, ou as relações de vizinhança não são mais do que conformismos soturnos, traduzidos nas saudações envergonhadas da saída e do regresso a casa?
Recordo com alguma nostalgia o tempo em que entrava e saía de casa dos meus pais sem ter que transportar comigo uma chave de casa. Não que a casa a não tivesse, mas pelo simples facto de que ela estava sempre no que local onde pertence e que lhe dá uso: a fechadura. Ao sol durante o dia, do lado do aconchego do lar, à noite. Da mesma forma recordo os serões em que os meus vizinhos vinham conviver com a minha família, e vice-versa, fosse verão, fosse Inverno, porque motivo de conversa havia sempre. As maleitas da horta ou o madraço do tempo. Ou, quem sabe, a doença da D. Alice que lhe tolhe os movimentos. Ou, porque não, o produto da caça à perdiz daquele dia e as habilidades do cão, a quem não há coelho que escape! Anos volvidos encontrei-me na cidade com as chaves de casa sempre no bolso. Habitando o mesmo espaço que outros tantos milhões de seres que se cruzam, que não se conhecem, que não querem conhecer-se, que se refugiam no seu habitáculo, preservados como se fugissem da peste bubónica de que parece todos padecem. São assim os meus vizinhos e, ainda que conheça o invólucro que os transporta, dia após dia, não sei quem são. O que fazem. Se são bons ou se são maus entes. Sei apenas que são, porque me cruzo com eles. Conheço bem, contudo, o número dos prédios onde residem. Bem, porque só tenho que saber que eles existem, sem vida, apenas identificativos de um local onde habitam seres vivos, tal como uma lápide que indica o local de um defunto. São números inanimados contendo outros números de criaturas vivas. E porque, inanimados, não têm vivências que interesse conhecer, ou possam fazer-me companhia, ao serão, falando da vida e das suas vicissitudes. Do que ambos almejamos na vida. Das nossas aventuras de bar ou de outras traquinices de juventude. Esses números eu conheço. São e é tudo.
Os meus vizinhos são números!

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