quinta-feira, 27 de março de 2008

Vizinhos... os meus.

Chego a casa. Ou antes. Chego ao meu prédio. Introduzo a chave na fechadura, empurro a porta que continua um pouco descaída. Vou ver o correio. Contas e publicidade. As cartas-tempos-modernos. Dirijo-me ao elevador enquanto as vou tentando abrir. Apercebo-me, então, que as luzes dos dois elevadores se encontram acesas. Avaria? Olho pelo estreito corredor que aponta para a clarabóia e oiço os sons de móveis que se arrastam, de conversas vira agora para aí espera espera um pouco vamos descansar uns minutos. Apercebo-me dos novos vizinhos. Não se importam de libertar um elevador para poder subir claro claro desculpe. Antes de entrar no elevador, espero que o meu vizinho veja o seu correio para com ele poder partilhar aquele espaço tão exíguo. Em casa finalmente é verdade qual é mesmo o andar o tempo está terrível outra vez boa noite e até amanhã gostei de o ver. Conversas breves, entre pessoas que já partilham aquele espaço há tanto tempo. O elevador, entretanto, vai cumprindo o seu papel repetitivo e árduo. As saudades daqueles vizinhos, agora, outros, surgem, subitamente. A profissão, a companhia, a morte. Eis-me no meu andar. Abandono o elevador que já caminha apressadamente para outro. Por breves momentos observo os tapetes que se encontram na porta. Uma paisagem marítima, um outro com desenhos geométricos, outro sem nada. Neste, o saco do lixo, seu cúmplice, leva-me a uma antipatia pelo vizinho que há pouco se mudou para ali. No fundo, formas de ser que nos convidam logo a entrar. Ou não. Enquanto observo, distraidamente, os tapetes, o choro de um bebé torna-se marcante. A fome, as cólicas? O vizinho mais novo do prédio. Que futuro? Serão outras preocupações. Sorrio. Recordo a surpresa da amizade por causa da administração do prédio. A cumplicidade crescente dos vizinhos-amigos, dos programas de computador que se precisam, das trocas de dvds e cds e do apoio no momento da aflição. E já leste aquele livro não tenho que to emprestar. Do desabafo dos problemas quotidianos. A lâmpada do corredor está fundida. O ser-chave dança agora ao som de um mecanismo que se quer fluido. Percorro as divisões da minha tranquilidade-última. No andar de cima, oiço os berlindes que caem no chão, seguido do ralhete da mãe já te tinha avisado que isso ia cair tudo e a criança que grita eu não consigo tirar o berlinde debaixo do móvel é bem feito agora aguenta. Surgem, no andar de baixo, as discussões que não se querem ouvir e que acabam por nos preocupar. As paredes são indesejadamente estreitas. Abro a janela para que os sons da rua anulem este barulho. Entram, violentamente, alguns que me despertam o desespero. Vozes demasiadamente populares, outras que procuram a construção de uma sociedade feita à sua medida, acompanhadas de ritmos diversos. Olho para outras janelas-vidas. Aquela parece ter a mesma disposição da minha casa. Como estarão distribuídos os vários objectos? As luzes vão-se apagando. É tarde. Amanhã parto de férias. A cópia da minha chave foi deixada no vizinho-amigo no caso de acontecer alguma coisa e dá uma vista de olhos enquanto estou de férias, pelo sim pelo não e se não te importares rega-me as plantas basta uma vez não é muito tempo vai descansado diverte-te. Deito-me. Vou ouvindo os silêncios do meu prédio. Dos meus vizinhos. Estão lá sempre. Como as sombras.
Paulo Martins

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